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sábado, agosto 14, 2010

Mar de Fora

Tolice
Descodificar/interpretar um poema é coisa insana, porque é inútil. É como partir em bocados uma imagem para procurar a razão da existência daquilo que ela documenta. Portanto, não irei mais longe do que uma abordagem superficial sobre o livro. Deixo o mergulhar mais fundo neste mar para quem o sabe fazer.

Da poesia
Porque a poesia, toda a poesia, tem dois temas principais, sentimentos de quem sente e a terra de quem vive. É disso que se fala, e raramente de outra coisa. Nomes, rostos, flores, estrelas, pedras, acabarão por remeter para os sentimentos, ou para a terra que ocupamos, com as suas cores, odores, formas do casario, e a agitação da vida da aldeia ou da cidade.

Henrique
A poesia é um diálogo feito de monólogos. Muitos poemas são apenas reflexões íntimas do seu autor mas outros suscitam reacção, convidam ao diálogo, são feitos de palavras que mergulham no interior da pessoa ou da cidade, tocando múltiplos cais de embarque e desembarque que são reconhecidos pelos viajantes/leitores. E essa partilha convida ao diálogo. Os poemas de Henrique Graça são desses, mas são translúcidos, exactos e concretos. Neles não reina a subjectividade, a redundância, a hipérbole, não pontifica a retórica nem maquilhagens ou decorações da escrita. Não há duplicidades. Também não são fragmentos nem ícones. Não são abreviaturas. São percepções completas, embora naturais e francas.

A coisa que seduz
O objecto livro “Mar de Fora” é atraente e dirige a curiosidade, depois encanto, para as palavras, poucas, que suporta. Sendo poucas mas cristalinas, estas palavras conferem uma leveza etérea à obra. Eis o livro enquanto objecto de sedução. E isso não acontece por acaso; para além de anunciado no subtítulo “três sets de escrita com capa, grafismo e desenho”, ao manusear o livro imediatamente damos conta da importância do espaço no papel, seja a mancha preenchida ou a área em branco, seja o uso exclusivo das páginas direitas, ou a opção pelo formato escolhido, os separadores negros como a cortina da noite que cai e anuncia um novo dia, ou a gravura da cidade sugerida em massas disformes, tudo foi pensado para seduzir a mão e o olhar e com isso convidar a ler, a prender às palavras. É simples, e tantos não sabem.

Mas é mar
“Mar de Fora” não é um mar espelhado, não é um mar chão. Tampouco é um mar tempestuoso. Também não é um mar rendido, agora bonançoso depois da tormenta. É antes um mar de vaga ampla, discreta, suave, um mar superficial que rebola sobre um outro mais fundo - os que andam no mar sabem do que falo. Em suma, eu leio um mar que reflui e flui dissipando-se repetidamente num véu de espuma branca que vem repousar suavemente nos areais dourados, sob os nossos pés.

Ir mais longe é ir ao fundo. Fico por aqui, e reproduzo um dos refluxos preferidos deste mar de fora.
Francisco Castelo, Lagos 2010-08-14


choro
porque te queria
aportada mais cedo
nos meus braços

choro
porque quero
que nunca me partas
assim o crepúsculo chegue

choro
porque um cheiro
silvestre de flores
nunca me parou assim

choro
porque ainda encontro
o macio das tuas mãos algodão
amimadas no meu peito

choro
e as lágrimas escarpadas
não são mais que espelho e oxigénio
tudo ainda mais vivo e a pele aquecida

afinal choro
nunca foi nada assim

“Mar de Fora” - Henrique Graça – Lagos, Março 2010 - ISBN 989-96650